18 de janeiro de 2012

A benção da vida que passa pelas mãos delas (Parteiras)

No Pará, os últimos meses do ano chegam trazendo muita chuva. A água que vem do céu, ora em chuvisco, ora em toró – chuva fininha ou muito forte – dá uma força a mais às mãos e aos braços das mulheres profissionais em “aparar menino” na beira dos rios, no município de Igarapé Miri, distante 123 quilômetros da capital paraense.
Dona Maria das Graças Miranda, 59, a dona Maroca, parteira das mais conhecidas na localidade do Anapu Grande, zona rural do município, é quem conta. Aos seis anos ela já cortava a imensidão do rio com apoio apenas de um remo. “Naquela época não tinha motor pra ajudar, era no braço mesmo. Mais chuva... mais água... mais força” calcula Dona Maroca que viu o esforço ajudá-la a “aparar” centenas de novos amazônidas.
Foi aos 25 anos que ela se rendeu à missão. É que as mães da região, por costume, não deixam suas “meninas-moças” assistirem às outras mulheres darem à luz. Começou devagar, apenas acompanhando “Dona Maria Fumaça, Dona Biló e Dona Zormira”, todas parteiras mais experientes. De casa em casa, foi ganhando a confiança e o respeito das famílias e não demorou a fazer o primeiro parto sozinha. “Foi de noite. A vizinha gritou e quando cheguei o bebê já tava na rede. Quando foi pra tirar a placenta é que percebi e disse: “não te assusta, vizinha, mas tem outro!”, lembra.
O começo foi difícil. Dona Maroca teve de enfrentar muitas dificuldades. Os ciúmes das parteiras mais antigas que temiam perder espaço. O capricho do marido que se incomodava com as saídas repentinas da mulher, sobretudo, as das altas horas da noite, afinal parteira não atende por hora marcada. E os próprios medos. “Um dia eu disse que ia orar a Deus e que se não fosse da vontade dele eu ia deixar de ser parteira. Orei com uma irmã e no final ela disse que Deus tinha me dado um dom. O dom de ser parteira”, conta emocionada a mulher que apresentou ao mundo pelo menos 1.500 crianças.
Na vizinhança não faltam exemplos da popularidade da parteira. Jovana Gomes, 21, espera o terceiro filho. Com uma barriga de nove meses ela diz que Dona Maroca estará presente na hora do parto. “Ela fez o parto do meu outro menino e vai fazer desse também. Ela é muito boa, dá confiança pra gente nessa hora”, justifica a jovem mamãe.
A duas horas de rabeta – pequena embarcação movida a motor – da casa de dona Maroca vive outra parteira. Quem chega à cidade de Igarapé-Miri e pergunta por tia Moça é logo direcionado para a rua Padre Emílio. É no número 240 que mora Dona Raimunda Rodrigues Souza. Mulher vaidosa que só se queixa de uma coisa: Não ter cortado os cabelos para tirar a foto para o Jornal. Aos 70 anos, com onze filhos e 26 netos – contando-se também os bisnetos - dona Raimunda se orgulha do título.
Tia Moça sentiu a vocação de pegar filho, como ela mesma diz, aos doze anos. Mas foi aos vinte que começou o ofício. “Eu sei se a mulher vai ter, ou não, a criança porque a minha mão condena. Foi esse o estudo que Deus me deu, o de praticar o que tem no ventre de uma senhora”, revela. “É destino que Deus dá, coisa que a medicina da terra não ensina. Não dá pra ensinar”, define.
Um problema na visão separou tia Moça de seu dom. O último parto que assistiu faz um ano e meio, mas nem por isso o movimento na casa dela diminuiu. O “entra e sai” é constante. “As mulheres chegam aqui [com a menstruação] atrasada. Pegando na barriga eu digo ‘minha filha, você tá gestante’.
(Diário do Pará)

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