18 de janeiro de 2012

Incra: mais 23 assentamentos, à revelia

Indiferente à postulação do Estado quanto à dominialidade das terras compreendidas por cerca de sete mil ilhas localizadas em território paraense, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), por sua superintendência em Belém, acaba de criar, de uma canetada só, 23 novos projetos de assentamento em terras insulares de sete municípios do Pará. As portarias, assinadas pelo superintendente do Incra, Elielson Pereira da Silva, foram publicadas no Diário Oficial da União.

O Incra decretou a ocupação, pelo poder federal, de quatro ilhas localizadas em Afuá, duas em Breves, uma em Chaves, três em Curralinho e sete em Muaná, todas no arquipélago marajoara. Transformou também em projetos de assentamento outras seis ilhas na região tocantina: uma em Igarapé-Miri e cinco no município de Cametá. Somados, os novos projetos do Incra, na modalidade de assentamento extrativista, ocupam 73.941 hectares.

A criação de novos projetos de assentamento pelo Incra no Pará, à revelia do Estado, azeda ainda mais a já desgastada relação com o Governo do Pará. O presidente do Iterpa (Instituto de Terras do Pará), Carlos Lamarão, mais uma vez vocalizou sua repulsa por esse tipo de procedimento.

Em ofício dirigido ao superintendente do Incra, Lamarão protestou contra a decisão. O presidente do Iterpa observou que iniciativas sem comunicação ao Governo do Estado, representam violação à autonomia conferida pela Constituição aos Estados.

De acordo com Carlos Lamarão, os atos do Incra criam assentamentos em áreas de jurisdição ainda indefinida, visto que abrangem terrenos situados em porções centrais de ilhas fluviais sujeitos ou não à influência das marés. Além desse ponto, por si só controverso, é inadmissível, conforme frisou, que tais projetos, capazes de afetar a vida de centenas de pessoas, não sejam sequer submetidos à prévia aprovação do Estado e do seu órgão fundiário, o Iterpa - legalmente, o ente responsável pela política agrária em tudo quanto se referir às suas terras devolutas. Cabe portanto ao Iterpa, entre outras atribuições, a obrigação de administrar essas terras (devolutas), “preservando-as e defendendo-as contra absorções de qualquer natureza e recuperando aquelas que indevidamente não se encontrem em sua posse ou domínio”.

Na correspondência encaminhada à superintendência do Incra, Carlos Lamarão solicitou que seja demonstrado, “com a urgência possível”, se a criação dos 23 novos assentamentos foi precedida de estudos e levantamentos socioeconômicos de cada área. O Iterpa deseja ser informado também se foram definidos e projetados os custos dos investimentos e o seu esquema de aplicação, bem como dos serviços essenciais de infraestrutura a serem instalados em benefício da comunidade. Outra informação requerida pelo presidente do Iterpa diz respeito ao dimensionamento da renda familiar que se pretende alcançar a favor dos assentados.
Iterpa quer levar decisão à Justiça. Incra considera assunto ‘resolvido’

O procedimento adotado pelo Incra, na criação de novos projetos de assentamento em 23 ilhas do Pará, pode ser judicialmente questionado, garantiu sexta-feira o presidente do Iterpa, Carlos Lamarão, para quem a decisão do Incra foi tomada de forma açodada e com a intenção de impor ao Governo do Pará o fato consumado. Para Lamarão, o instituto fundiário federal não somente deixou de fazer estudos de viabilidade social e econômica como atropelou a legislação. Para o Iterpa, a lei exige que se faça primeiro a arrecadação da área e, em seguida, a sua matrícula em cartório em nome do ente público que vai fazer a destinação da terra – o Incra, no caso da União, ou o Iterpa, se a área pertencer ao Estado – para assentamento. Para criar os 23 novos Projetos de Assentamento Extrativista no Pará, o Incra não fez nem uma coisa nem outra. “Não fazem isso porque sabem que, se publicarem o edital obrigatório de arrecadação, o Iterpa vai impugnar”, diz Carlos Lamarão, ressaltando que isso iria no mínimo suscitar dúvidas quanto à dominialidade dessas áreas.

Inconformado, ele solicitou à superintendência do Incra que qualquer iniciativa desse tipo, a partir de agora, seja precedida de consulta e informação ao Iterpa.

Carlos Lamarão ressaltou que o Iterpa não se opõe a celebrar convênios, acordos, termos de cooperação técnica “ou seja lá o que for” com o governo federal, desde que resultem em benefícios das comunidades que habitam essas regiões insulares e também que não restem dúvidas sobre a quem pertence o patrimônio fundiário, objeto de tais parcerias. “Trata-se de prerrogativa da qual não posso e não devo abdicar enquanto dirigente desta autarquia estadual, sob pena de incidir até mesmo em crime de responsabilidade por omissão de defesa do patrimônio estadual”.

DOMÍNIO DA UNIÃO

No que depender do seu superintendente em Belém, o Incra vai continuar ignorando as pretensões do Estado, quando à dominialidade das terras insulares, e dar continuidade à criação de projetos de assentamentos nas ilhas localizadas em território paraense. Essa é a postura adotada pelo superintendente Elielson Pereira da Silva, que define como “assunto absolutamente resolvido” o domínio da União sobre as ilhas. Para Elielson Silva, esta é considerada uma questão pacífica à luz do artigo 20 da Constituição Federal, não somente pelo Incra mas por todos os organismos federais que se ocupam da matéria, como a Superintendência do Patrimônio da União (SPU) e a Advocacia Geral (AGU).

Acima de eventuais controvérsias, destaca o superintendente que tanto o Incra como as demais instituições que com ele trabalham em parceria estão empenhados tão somente em resgatar da pobreza extrema as populações ribeirinhas. “Essas populações ficaram secularmente abandonadas, na mais completa invisibilidade social”, diz ele. Segundo Elielson Silva, em muitos desses lugares, a chegada do Incra e da SPU significa a presença do Estado pela primeira vez. “O objetivo do governo é erradicar a pobreza, e isso nós vamos continuar fazendo”, acrescenta.

O discurso condoreiro do superintendente do Incra, porém, não guarda muita afinidade com a realidade objetiva existente nos assentamentos criados pelo instituto em território paraense. Para cobrir os 144 municípios do Estado, o Incra mantém aqui uma estrutura superdimensionada, com três superintendências. Uma, com sede em Belém, tem jurisdição sobre as áreas de 78 municípios, abrangendo o nordeste paraense e o arquipélago marajoara. As outras duas superintendências ficam em Marabá e Santarém, esta cobrindo a região oeste e aquela as regiões sul e sudeste do Estado.

Só a superintendência de Belém, segundo Elielson Silva, contabiliza 333 projetos de assentamento, com 85 mil famílias assentadas numa área total de aproximadamente dois milhões de hectares. Os mais antigos desses projetos, segundo ele, datam de 20 a 22 anos, embora haja quem diga que existem assentamentos pioneiros que remontam à década de 1970. Os números, porém, não endossam avaliação ufanista que se pretenda fazer da política agrária desenvolvida no Pará.

O próprio superintendente do Incra admite que, entre as mais de três centenas de projetos, vários deles com idade em torno de vinte anos, não existe um único, até hoje, que tenha se consolidado e garantido a emancipação. Em outras palavras, são projetos que continuam dependendo, mais de vinte anos depois de sua criação, da injeção de dinheiro público generosamente repassado pelo Incra e outros órgãos do governo – e sem que isso os torne produtivos, o que prova a persistência de dezenas deles como verdadeiros bolsões de miséria. Diante dessa realidade, tão propalada inclusão social continua sendo mera peça de ficção.
(Diário do Pará)

Nenhum comentário:

Postar um comentário